sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Trecho do "Livro das Ignorãças" do manô

VII
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor,
mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos - O verbo tem que pegar delírio.


Para entrar em estado de árvore é preciso partir de
um torpor animal de lagarto às três horas da tarde,
no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em
nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
sair na voz.
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.


O rio que fazia uma volta atrás de nossa cara era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se ???chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

Não oblitero moscas com palavras.
Uma espécie de canto me ocasiona.
Respeito as oralidades.
Eu escrevo o rumar das palavras.
Não sou sandeu de gramáticas.


 
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.


( POR MANUEL DE BARROS)

Um comentário:

  1. De tarde um jovem tocará seu pifano para inverter os ocasos, e fortalecer a esperança que o sábio nos mostrou.

    big beijo!

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