segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Persuasão

Persuasão é uma estratégia de comunicação que consiste em utilizar recursos lógico-racionais ou simbólicos para induzir alguém a aceitar uma ideia, uma atitude, ou realizar uma ação.
É o emprego de argumentos, legítimos ou não, com o propósito de conseguir que outro(s) indivíduo(s) adote(m) certa(s) linha(s) de conduta, teoria(s) ou crença(s).

Segundo Aristóteles, a retórica é a arte de descobrir, em cada caso particular, os meios disponíveis de persuasão.


Tenho tanto sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Carta ao Papa - Antonin Artau



“O Confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.
 Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.
Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os seus sacerdotes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.
Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:
1°. Você o enfiou no bolso./
2°. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro. Aqui o espírito se confessa para o espírito.
De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre essas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem deus, Bíblia, Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.
 Nós não estamos no mundo; ó Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.
O mundo é o abismo da alma, Papa caquético, Papa alheio à alma; deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades”.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Moção de Repúdio dos Trabalhadores da Cultura à Política do Coturno em Pinheirinho

De um lado, pelo menos 1.600 famílias que lutam pelo direito de morar no 
bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), ocupação que tem oito 
anos de existência. Do outro, mais de 2.000 policiais militares e civis cumprindo 
ordens da Justiça Estadual e da Prefeitura de São José dos Campos, em favor 
da massa falida da empresa Selecta, pertencente ao mega-especulador Naji 
Nahas.
Ainda que não houvesse outras circunstâncias agravantes no caso, já seria 
possível constatar que as instâncias dos poderes executivo e judiciário fizeram 
a opção, em Pinheirinho, pela lei que protege a especulação imobiliária, em 
detrimento do direito das pessoas à moradia.
Vence mais uma vez a política do coturno em prol do capital. De um lado, 
bombas, armas, gases, helicópteros, tropa de choque. Do outro, dois 
revólveres apreendidos. Não há notícia de que tenham sido usados. Uma praça 
de guerra é instalada - numa batalha em que um exército ataca civil.
Não há plano de realocação das famílias. As que não conseguiram ou não
quiseram fugir, ou receberam dinheiro para passagens para outras cidades, ou 
estão sendo mantidas cercadas, com comida racionada, como num campo de 
concentração. A imprensa não pode entrar no local, não pode fazer entrevistas, 
e os hospitais da região não podem informar sobre mortos e feridos. O que se 
quer esconder?
O Governo do Estado lavou as mãos diante do caso, assim como o Superior 
Tribunal de Justiça. O Governo Federal tardou em agir. A chamada "função 
social da propriedade", prevista na Constituição Brasileira, revelou-se assim 
como peça de ficção, justamente onde a ficção não deveria ser permitida.
Mais uma vez, o Estado assume o papel de "testa de ferro" para as estripulias 
financeiras da "selecta" casta de milionários e bilionários. A política do coturno 
em prol do capital vem ganhando espaço. Assim está acontecendo na 
higienização do bairro da Luz, em São Paulo , preparando-o para a 
especulação imobiliária; assim vem acontecendo na repressão ao movimento 
estudantil na USP, minando a resistência à privatização do ensino; assim 
acontece no campo brasileiro há tanto tempo, em defesa do agronegócio. Os 
exemplos se multiplicam. E não nos parece fato isolado que, hoje, a quase 
totalidade dos subprefeitos da cidade de São Paulo sejam coronéis da reserva 
da PM.
Nós, trabalhadores artistas, expressamos nosso repúdio veemente a esse tipo 
de política. Mais 1.600 famílias estão nas ruas: a lei foi cumprida. Para quem?


terça-feira, 22 de novembro de 2011

SAUDADE





"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida".

Clarice Lispector

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Trecho do "Livro das Ignorãças" do manô

VII
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor,
mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos - O verbo tem que pegar delírio.


Para entrar em estado de árvore é preciso partir de
um torpor animal de lagarto às três horas da tarde,
no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em
nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
sair na voz.
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.


O rio que fazia uma volta atrás de nossa cara era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se ???chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

Não oblitero moscas com palavras.
Uma espécie de canto me ocasiona.
Respeito as oralidades.
Eu escrevo o rumar das palavras.
Não sou sandeu de gramáticas.


 
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.


( POR MANUEL DE BARROS)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

ESTAMIRA


ESTAMIRA, PRESENTE!
Curitiba - 28/07/11

Ontem a tarde (27 de julho de 2011) Estamira Gomes de Souza, mulher negra da classe trabalhadora, catadora de lixo no Aterro do Gramacho (Rio de Janeiro) nasceu ao contrário. Tinha 72 anos e morreu cansada, mal cuidada e principalmente: não ouvida (paradoxalmente tão escutada no mundo inteiro). A protagonista do filme que leva seu nome, dirigido por Marcos Prado e lançado em 2004 agonizou por horas no Hospital Miguel Couto, na Gávea, desassistida pelo SUS e incapaz – como a imensa maioria dos trabalhadores – de comprar sua assistência em um hospital particular.
Os trocadilos apontam que a razão de sua morte se chama 'septicemia', uma infecção generalizada. Poderiam dizer que por ter transtornos mentais, Estamira deveria ter sido assistida em um asilo, ou um hospital/hospício psiquiátrico para que de lá não saísse e morresse em paz, longe do lixo, das moscas, longe da família, longe daquele mar que lhe era tão importante. Do outro lado, os que acreditam cegamente nos governos, acreditam que a construção da rede de atenção psicossocial substitutiva à lógica manicomial está consolidada, amplificada e atuante. Não desconsideramos os avanços da instalação da rede, determinada pela lei 10216/2001. Mas, como Estamira nos alertou: existe esperteza ao contrário, não inocência.
De toda forma, Estamira passou sua vida em pé, trabalhando, replicando sua existência dentro dum lixão, desatenta aos levantes manicomiais de empresários-da-saúde-mental que discorrem trocadilos sobre técnicas arcaicas repaginadas, assistência integral, novos medicamentos, cuspindo cifras.. Alheia aos professores de Psicologia que passam o filme nas aulas e todos saem das salas com mal estar, surpresos, com pena. No ano que vem, uma nova turma assistirá sua história. Tudo bem: esta arte nos permite a distância, a contemplação, o não envolver-se e o não implicar-se.
Escutamos Estamira e observamos mais uma que sofre numa massa de trabalhadores negros, homens e mulheres que apodrecem todos os dias. Estamira é apenas mais uma entre os milhares de loucos da classe trabalhadora que já não valem mais nada ao sistema do capital e que por isto – e só por isto – são jogados no lixo para se confundirem ao inútil e ao descuido nos aterros e favelas do país.
O cinismo deste sistema traveste seu discurso delirante, denunciativo, agressivo e violento em “poesia”, “uma forma atípica de expressão”, “obra de arte”. Esta forma de arte não nos importa. Não queremos lembrar de Estamira apenas quando seu filme recebe mais um prêmio internacional. Acreditamos que não basta lamentar sua morte em cento e quarenta caracteres, num pio. Reivindicamos a vida e obra produzida ao longo dos dias de vida de Estamira. Com todos os seus direitos humanos negados, todos os serviços de saúde de má qualidade, sua péssima condição de moradia, seu trabalho precarizado, a educação negada. Seus e de todos os trabalhadores.
Não nos interessa a mera constatação de que algo vai errado. Interessa a luta pela efetividade da atenção à saúde mental no Brasil. Interessa a consolidação de equipes multidisplinares, a efetivação da Reforma Psiquiátrica, a redução de danos, a porta aberta nos equipamentos, a defesa intransigente de uma vida digna e sem desigualdade social para todos os trabalhadores. Lutando, honramos Estamira e todos os seus irmãos e companheiros desconhecidos, que nunca estrelarão um filme mas que também querem visitar o mar.

Estamira! Mulher negra, resistente, trabalhadora!
Presente!
TEXTO: César Fernandes, psicólogo militante da luta contra os manicômios e pela construção do socialismo